PALAVRÕES TAMBÉM SÃO
IMPORTANTES
(Luís Fernando Veríssimo)
Os palavrões não
nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover
nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais
fortes e genuínos sentimentos.
É o povo fazendo sua língua. Como o Latim
Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia. Sem que isso
signifique a "vulgarização" do idioma, mas apenas sua maior
aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos,
suas emoções, seu jeito, sua índole.
"Pra caralho", por exemplo.
Qual expressão traduz melhor a idéia de
muita quantidade do que "Pra caralho"?
"Pra caralho" tende ao infinito,
é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol
é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra
caralho, entende?
No gênero do "Pra caralho", mas,
no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem
fodendo!".
O "Não, não e não!", assim como o
"Absolutamente Não" já soam sem nenhuma credibilidade.
O "Nem fodendo" é irretorquível,
e liquida o assunto.Te libera, com a consciência tranqüila, para outras
atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te
atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem
paciência.
Solte logo um definitivo Marquinhos, presta
atenção, filho querido, NEM FODENDO!".
O impertinente se manca na hora e vai pro
Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a
curtir o CD do Caetano Veloso.
Por sua vez, o "porra nenhuma!"
atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de
uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é
totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em profissional nosso
cotidiano.
Como comentar a bravata daquele chefe
idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu
aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma",
como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É
como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.
Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato
Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!”dito assim
te coloca outra vez em seu eixo.
Seus neurônios têm o devido tempo e clima
para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco
ou o safar de maiores dores de cabeça.
E o que dizer de nosso famoso "vai
tomar no cu!"? E sua maravilhosa e enforcadora derivação "vai tomar
no meio do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e
aos seus quando, passado o limite do suportável! , se dirige ao canalha de seu
interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no meio do seu cu!".
Pronto, você retomou as rédeas de sua vida,
sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar
firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo
nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registrar
aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar:
"Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de
vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para
uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um
providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando
você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de
habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar:
O que você fala? "Fodeu de vez!".
Sem contar que o nível de stress de uma
pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela
fala.
Existe algo mais libertário do que o
conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha
auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.
"Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa
merda sozinho (a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao
"foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, igualdade, fraternidade e
Foda-se!
Senhorita Lolla.